terça-feira, 16 de outubro de 2012

Diz muito mais





Eu posso tentar acabar com este silêncio
com palavras
mas prefiro olhar nos teus olhos,
porque eles sempre dizem muito mais.

Posso tentar tocar teu coração
com o peso do meu desejo,
mas prefiro sentir teu corpo dentro do meu,
teu cheiro embriagar meu sangue,
teu impulso estonteante
me arrancar o fôlego,
e juntos incendiarmos o ar.
Esse fogo da paixão
me diz muito mais.

Posso tentar ser tua para sempre,
mas alguns minutos contigo
podem ser eternidade.
Um instante único, raro,
capaz de dizer muito mais
do que qualquer promessa.

Eu poderia te seguir por todos os caminhos,
cercar teus passos,
espiar teus destinos…
mas prefiro entregar-me ao acaso
porque a casualidade fala alto,
e o destino, às vezes,
sabe dizer muito mais.

Eu posso escolher ser tua indefinidamente,
mas prefiro ser tua no momento exato,
no ápice da entrega,
quando o tempo se curva
e o desejo não conhece nome.
Assim, serei eterna sempre:
um sonho que retorna,
um conto sem texto,
uma história sem fim,
um final que nasce num começo
e isso diz muito mais.

Eu posso usar as palavras
para declarar o amor que tenho por ti,
mas prefiro o gesto aceso da paixão,
a alegria do querer,
a beleza que não envelhece.
Prefiro o amor sem molduras,
a relação sem amarras,
que fica na lembrança
como tatuagem leve do tempo.

O amor que se despede a cada dia,
sem a esperança do amanhã,
sem a certeza do futuro,
sem contratos,
sem papéis
mas com a absoluta certeza
de que estaremos sempre à espera
um do outro,
de um novo encontro,
um novo instante,
um novo incêndio.

Porque, no fim,
é isso que diz muito mais.


  autora: Isabel van Gurp
















O salto alto












Estou começando a pensar em usar um desses…
Sabe, durante e depois da minha gravidez, eu fiquei sem coragem de usar saltinhos. Primeiro, o barrigão não combinava com salto alto. Eu me sentia insegura , talvez fosse coisa da minha cabeça, mas simplesmente não tinha coragem. Saltos altos com aquele barrigão? Nem pensar.

Depois veio a fase das crianças no colo, e salto alto não era nada estimulante. Incrível como parecia arriscado: eu me imaginava perdendo o equilíbrio com meus filhos nos braços e nós dois no chão. Então eu não arriscava. Depois veio a fase de correr atrás dos anjinhos (oh, como eles correm!), e salto alto novamente não cabia.

A vida corrida de mãe de dois, dona de casa atrapalhada com afazeres que nunca acabam… aí começa a história: levar criança à escola, deixar um no berço e sair pedalando com o outro, desesperada para voltar para casa, com aquela sensação horrível de culpa por ter deixado o bebê sozinho por alguns minutos. Nada disso combinava com salto alto.

E ainda havia as noites mal dormidas,  todas as mães conhecem. As noites das febrinhas, dos dentinhos nascendo, das cataporas e dos vírus da infância… Só o pensamento de um saltinho já era um pesadelo. Fora de cogitação. O cansaço falava mais alto do que qualquer vaidade. A mulher se escondia atrás da mãe, e a mãe ocupava tudo.

Mas devo confessar: tenho saudade desse tempo. Foi duro… mas foi lindo.
E como tudo passa, os filhos crescem… e o pai volta a ser marido.
E então, de repente, você começa a olhar para os saltinhos das amigas… começa a se olhar no espelho… percebe que não precisa mais ter medo. Já não há mais anjinhos correndo pela casa, nem um barrigão imenso para carregar (a barriga atual… melhor nem comentar, outro pesadelo).

E nasce de novo aquele desejo de ser feminina. Mulher mesmo.
Não só a mãe de seios cheios de leite, acordando de madrugada para alimentar um bebê e sentir-se completa por isso. Não só a mulher orgulhosa das proezas dos filhos. Mas a mulher que quer se maquiar, usar perfume, emagrecer um pouquinho… Aquela que ficou escondida dentro de mim por alguns anos, abrindo espaço para a mãe.

Esse saltinho representa isso para mim.

Já comprei um.
Ainda estou me adaptando  ou melhor, reaprendendo a andar.
Preciso confessar: a coragem ainda está voltando. Comprar já foi um ato heroico. Quase comprei um Nintendo XL para os pequenos (aliás, eles já têm DS, Lite e DSi!), mas dessa vez eu escolhi um saltinho. Para mim.

E escondi. Talvez por vergonha de ter gasto um dinheirão em algo que ainda nem tive coragem de usar  essa vaidade que a “mãe” dentro de mim tinha esquecido completamente. Mas estou treinando no espelho, porta fechada, e até já pensei em ir a uma festa com ele. Não saiu da bolsa… mas só de ter comprado, me senti feliz.

A mulher está voltando.
E, com ela, os saltinhos.


 “Saltos que Voltaram a Mim”

Dei adeus aos saltos altos
quando a barriga cresceu,
quando o peso da vida
não cabia mais nos meus pés.

Medo, instinto, cuidado 
era tanto amor que doía,
era tanta criança no colo
que meu corpo só queria dormir.

Corri atrás de anjinhos,
pisei em brinquedos,
atravessava as manhãs
de cabelo preso e urgências.

Os saltos dormiam na caixa,
enquanto eu perdia o sono
nas febres, nas cataporas,
nas noites sem lua,
no peito doído de leite,
nas madrugadas de mãe.

E o tempo, que corre,
foi devolvendo a casa ao silêncio,
as crianças cresceram,
o pai voltou a ser marido,
e eu voltei a me ver
no espelho.

O desejo voltou primeiro 
tímido, de mansinho 
um brilho no salto da amiga,
um suspiro na vitrine,
um “por que não?”.

Comprei um saltinho.
Escondido.
Quase com culpa.
Tão caro quanto a coragem
que ainda não aprendi a calçar.

Treino diante do espelho,
porta fechada,
coração aberto.

Redescubro a mulher
que ficou adormecida
debaixo das urgências,
da pressa,
das noites sem fim.

Os filhos cresceram,
eu cresço outra vez:
volto a ser feminina,
mulher inteira,
mãe e musa,
frágil e forte,
como deve ser.

O salto, enfim,
representa o retorno 
não da vaidade,
mas de mim.


Autora: Isabel van Gurp