Me embalei nos gritos
dos surdos da madrugada,
na dança torta
dos loucos sem ar,
asfixiados pela própria escolha.
Me entreguei demais,
não voltei por nada.
Desisti sem tentar.
Tentei só pra não pensar.
Me joguei numa onda
sabendo que era esgoto.
Meu corpo flutuava,
a mente estourava
em mil cacos.
Sem rastro.
Sem nome.
Sem querer.
O que ficou pra trás
foi pouco.
Quase nada.
Poucos sabem quem fui.
Pouco importa quem sou.
Nem eu sei.
Talvez só o resto,
o resíduo,
o erro que sobrou na sarjeta.
Uma sombra andando
numa rua que não leva a lugar nenhum.
Não era mais dona de mim.
Era o que sobrava
de alguém.
Desisti por medo.
Me envolvi por curiosidade.
Me perdi por cansaço.
Prometeram viagem,
mas não tinha piloto.
Nem destino.
Eu sabia.
Sempre soube.
A última estação era o esgoto.
Me embalei nos gritos
dos viciados,
na euforia barata
comprada por trocados.
Migalhas de pó
pra tapar o buraco
que a sociedade cava
e finge não ver.
Por minutos,
me senti grande
no fundo do nada.
Subi no vagão
sem bilhete,
sem volta.
Descia cada vez mais fundo.
Até entender:
não era viagem.
Era queda.
Última estação.
Esgoto.
E eu ali,
despedaçada,
achando que aquilo
era viver mas morri aos poucos.
Autora: Isabel van Gurp



