sábado, 28 de setembro de 2013

Ainda sou....



Ainda sou....

Ainda sou uma criança.
Vivo histórias e brinco com elas.
Vejo meu herói,
e com as bruxas, voo

para todos os lados.

Acredito em príncipes e princesas,
amo os magos,
espero encantamentos.

Quero que todos os dias sejam Natal,
para esperar meu Papai Noel.
Olho para o céu
e confesso, baixinho:
— velhinho, foste meu primeiro príncipe encantado.

Ainda sou uma menina.
Invento histórias diante do espelho,
tenho fé
e voo com elas
na ponta dos pés.

Eu sei dançar.
Faço passos diferentes,
como uma bailarina,
com as sombras que me acompanham nos sonhos.

Elas não refletem no espelho,
mas brilham no ar.
Bailam comigo na alegria de ser leve.
Vejo meu príncipe nos livros
e sonho que ele dança comigo.
Ele me faz flutuar.
Não é só meu herói
quero ser sua princesa.
Penso em namorar.

Ainda sou uma jovem.
Vivo histórias que transformam meus dias
em realidades
nem sempre doces,
nem sempre justas.
Aprendi a perdoar a vida
pelas voltas que dei,
pelos erros que vivi.

Sou uma mulher.
Uso saltos altos,
deixo a marca do batom
nos copos, nas taças,
e às vezes, na alma.

Nos encontros  e desencontros
coleciono flores,
perfumes e despedidas.

Uso o espelho para buscar minha vaidade,
e às vezes encontro a saudade.
Nas sombras das lágrimas,
vejo um sorriso maquiado,
pintado de esperança,
misturado à dor e ao tempo.

Os príncipes que cavalgaram pelo meu corpo
viraram sapos,
foram embora,
sem deixar sequer uma linha
para escrever um conto de fadas.

E muito menos
me transformar em princesa amada.

Na última página, ficou escrito:
“e não foram felizes para sempre.”

Mas ainda sou eu
a mulher que transforma desejos em sonhos,
aventuras em lembranças,
e receios em versos.

Alguns em cartas,
outros em bilhetes.
Todos, em pedaços de mim.

Na minha idade, aprendi:
eu estava, desde o início,
na primeira página
dos livros de contos de fadas.

Era uma vez...

Ainda acredito em contos de fadas
Que sou

uma princesa.




















  autora: Isabel van Gurp

 




 
 




 






quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Meu ultimo pedido

Desfile dos Escravos da Mauá - Rio de Janeiro - 2013
Desfile das escolas do  carnaval 2013

Meu Ultimo Pedido


Quando eu sentir minha alma
saindo do meu corpo,
vou pedir uns minutos
meu último pedido
pra escutar um samba.

O mesmo samba que me fazia levitar,
aquele que fazia meu corpo tremer e valsar,
perder os sentidos e a razão,
me fazia sonhar.

O samba que me entregava a coroa,
me vestia de nobreza,
me fazia rainha.
Os meus súditos se inclinavam,
os tambores vibravam,
e o som dos tamborins
rasgava o ar da avenida.

Era aquele samba declamado na passarela,
no suor dos ritmistas,
que faziam da pele um instrumento.
O batuque ecoava de longe,
dos confins dos morros,
como trovão que anuncia o nascer de um povo.

Esse samba vinha com raios,
trazia meu nome,
minha casta,
minha cor.
Dizia que eu também já fui escrava.

Samba feito nas ladeiras,
com sangue de linhagem,
contando nas suas rimas e versos
a dor de um povo,
de uma raça.

Lamúria que gemia no tronco,
açoitada pelo chicote
que doía mais na alma do que na carne.
Samba que narrava a luta,
a liberdade,
a resistência,
a vergonha de uma nação.

Samba que jorrou em sangue,
em séculos de opressão,
e que hoje corre vivo,
em cada batida de tambor.

Muitos morreram,
mas não viraram heróis
eram chamados de fugitivos.
E foi nos morros que nasceu o meu samba:
proibido, difamado, condenado.
Chamaram-no pecado,
mas era a voz da alma.

O ritmo era tão envolvente
que caiu no corpo dos brancos,
e o pecado virou redenção.
Pouco a pouco o samba que subiu os morros,
desceu para as ruas,
e virou cultura,
virou história,
virou memória viva de um povo.

Vitória dos pés nus
dos negros, das negras,
dos mulatos e mulatas
que dançavam sem sapato,
mas com dignidade.
E muitos brancos,
caídos na tentação,
sambaram junto
e se tornaram negros de espírito,
mesmo de pele branca.

Esse é o samba que eu quero ouvir,
aquele que toca nas ruas,
nas avenidas, nos palcos, nos terreiros.
O samba que lava minha alma,
que me faz subir leve,
batucando pro céu.

Com um toque de tambor
fujo do corpo,
com um truque,
renasço rainha
da passarela,
da noite,
da vida.

Esse samba me fez feliz.
E no último minuto,
será ele quem me guiará.

Deixa eu escutar a orquestra
que se chama bateria,
pra que, quando o tambor soar,
eu possa sorrir
e morrer feliz.






  autora: Isabel van Gurp











Aonde todas são rainhas