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| Desfile dos Escravos da Mauá - Rio de Janeiro - 2013 |
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Meu Ultimo Pedido
Quando eu sentir minha alma
saindo do meu corpo,
vou pedir uns minutos
meu último pedido
pra escutar um samba.
O mesmo samba que me fazia levitar,
aquele que fazia meu corpo tremer e valsar,
perder os sentidos e a razão,
me fazia sonhar.
O samba que me entregava a coroa,
me vestia de nobreza,
me fazia rainha.
Os meus súditos se inclinavam,
os tambores vibravam,
e o som dos tamborins
rasgava o ar da avenida.
Era aquele samba declamado na passarela,
no suor dos ritmistas,
que faziam da pele um instrumento.
O batuque ecoava de longe,
dos confins dos morros,
como trovão que anuncia o nascer de um povo.
Esse samba vinha com raios,
trazia meu nome,
minha casta,
minha cor.
Dizia que eu também já fui escrava.
Samba feito nas ladeiras,
com sangue de linhagem,
contando nas suas rimas e versos
a dor de um povo,
de uma raça.
Lamúria que gemia no tronco,
açoitada pelo chicote
que doía mais na alma do que na carne.
Samba que narrava a luta,
a liberdade,
a resistência,
a vergonha de uma nação.
Samba que jorrou em sangue,
em séculos de opressão,
e que hoje corre vivo,
em cada batida de tambor.
Muitos morreram,
mas não viraram heróis
eram chamados de fugitivos.
E foi nos morros que nasceu o meu samba:
proibido, difamado, condenado.
Chamaram-no pecado,
mas era a voz da alma.
O ritmo era tão envolvente
que caiu no corpo dos brancos,
e o pecado virou redenção.
Pouco a pouco o samba que subiu os morros,
desceu para as ruas,
e virou cultura,
virou história,
virou memória viva de um povo.
Vitória dos pés nus
dos negros, das negras,
dos mulatos e mulatas
que dançavam sem sapato,
mas com dignidade.
E muitos brancos,
caídos na tentação,
sambaram junto
e se tornaram negros de espírito,
mesmo de pele branca.
Esse é o samba que eu quero ouvir,
aquele que toca nas ruas,
nas avenidas, nos palcos, nos terreiros.
O samba que lava minha alma,
que me faz subir leve,
batucando pro céu.
Com um toque de tambor
fujo do corpo,
com um truque,
renasço rainha
da passarela,
da noite,
da vida.
Esse samba me fez feliz.
E no último minuto,
será ele quem me guiará.
Deixa eu escutar a orquestra
que se chama bateria,
pra que, quando o tambor soar,
eu possa sorrir
e morrer feliz.
autora: Isabel van Gurp







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