sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Última estação: - Esgoto.

 





Me embalei nos gritos
dos surdos da madrugada,
na dança torta
dos loucos sem ar,
asfixiados pela própria escolha.

Me entreguei demais,
não voltei por nada.
Desisti sem tentar.
Tentei só pra não pensar.

Me joguei numa onda
sabendo que era esgoto.

Meu corpo flutuava,
a mente estourava
em mil cacos.

Sem rastro.
Sem nome.
Sem querer.

O que ficou pra trás
foi pouco.
Quase nada.

Poucos sabem quem fui.
Pouco importa quem sou.
Nem eu sei.

Talvez só o resto,
o resíduo,
o erro que sobrou na sarjeta.

Uma sombra andando
numa rua que não leva a lugar nenhum.

Não era mais dona de mim.
Era o que sobrava
de alguém.

Desisti por medo.
Me envolvi por curiosidade.
Me perdi por cansaço.

Prometeram viagem,
mas não tinha piloto.
Nem destino.

Eu sabia.
Sempre soube.
A última estação era o esgoto.

Me embalei nos gritos
dos viciados,
na euforia barata
comprada por trocados.

Migalhas de pó
pra tapar o buraco
que a sociedade cava
e finge não ver.

Por minutos,
me senti grande
no fundo do nada.

Subi no vagão
sem bilhete,
sem volta.

Descia cada vez mais fundo.

Até entender:
não era viagem.
Era queda.

Última estação.
Esgoto.

E eu ali,
despedaçada,
achando que aquilo
era viver mas morri aos poucos.


Autora: Isabel van Gurp 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Eu fugi de nós


 Fugi de mim,

abandonei minha própria sombra,
só para não te perder.

Fingi por ti,
para que teus olhos não vissem
o abismo que crescia em mim.

Sofri por nós,
por tudo que não fomos,
e por tudo que ainda doía
no silêncio que eu carregava.

No meu olhar
moravam palavras sufocadas,
presas na garganta da alma,
pedindo para existir.

No meu peito
havia um tremor constante,
um pedido, um grito,
um amor desesperado
proibido de nascer.

Na minha saudade
repousavam lembranças inventadas,
dias que nunca vivi,
abraços que só imaginei,
beijos que ficaram no limite do sonho.

Perdi-me no vazio
de tudo que desejei e calei.

No meu corpo,
um calor que nunca ofereci.
Na minha alma,
um gozo morto
antes mesmo de ser sentido.

Meus braços, vazios;
minha cama, silenciosa;
minhas noites, sem perdão.

Eu fugi de mim
para te preservar.
Eu fingi por ti
para não desmoronar.
Eu sofri por nós
como quem morre um pouco a cada dia.

E hoje carrego o peso
do que não vivi.
Um amor abortado pelo medo,
um caminho que desviei com as próprias mãos.

A verdade?
Não foi você que perdi.
Fui eu.

Fugir de mim,
fingir por ti,
sofrer por nós—
foi a forma mais lenta
e mais cruel
de morrer vivendo.


Autora: Isabel van Gurp

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Posso

 





Eu posso quebrar o silêncio
com palavras que o vento desfaz,
mas quando encontro teus olhos,
eles sempre dizem bem mais.

Posso tocar teu peito
com desejo ardente e profundo,
mas é sentir teu corpo no meu
que dá novo sentido ao mundo.

Posso prometer-te eternidade,
amar-te além do amanhecer,
mas às vezes um só instante
vale mais do que um viver.

Posso seguir teus caminhos,
vigiar teus passos ao léu,
mas deixo ao destino o encontro:
ele escreve melhor do que eu.

Posso escolher ser só tua
por noites que não têm fim,
mas prefiro ser o instante
que te marca dentro de ti.

Posso dizer que te amo
em versos, cartas e flor,
mas é o gesto que te toca
que traduz melhor meu ardor.

E quando o adeus se aproxima,
eu não preciso falar:
basta um olhar que te busca,
para o teu olhar me achar.

Porque o amor que é verdadeiro
não se prende ao que se diz
vive no breve momento,
no silêncio que faz feliz.


Autora: Isabel van Gurp


Oração das Almas Gêmeas

 


Lua sagrada que caminha pelos céus,
guarda nossas almas neste véu de noite serena.

Ilumina nossos passos no escuro,
guia-nos pelas estrelas ancestrais,
conduz-nos de volta um ao outro,
sempre que nos perdermos pelas vidas.

Que nossa alma seja leve,
pura,
livre de medo,
livre de dor.

Que o amor que nos une
seja ponte entre mundos,
seja farol entre sombras,
seja verdade que atravessa séculos.

Lua sagrada, carrega nossa essência.
Que possamos voar pelos céus juntos,
de mãos dadas,
sem nunca nos abandonar.

Quando renascermos na Terra,
que seja lado a lado,
no tempo certo,
na vida certa,
com o coração desperto
para reconhecer o olhar
que sempre nos pertenceu.

Que sejamos sempre
luz que retorna,
destino que reencontra,
amor que não morre.

Assim seja entre o céu e a Terra,
assim seja em todas as vidas,
assim seja para sempre.
Somos almas gêmeas, hoje e além do tempo.

Amém 

Autora: Isabel van Gurp

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Te esperei sempre

 





Te esperei.
Te esperei por tantos caminhos,
por tantas vidas,
por tantos dias que o tempo nem sabe contar.
Te esperei como quem guarda no peito
um sol que ainda não nasceu,
mas brilha, insistente,
na luz de um desejo antigo.

Te esperei
porque teu nome já vivia em mim
antes de eu saber pronunciá-lo.
Tua sombra caminhava ao lado da minha,
teu passo ecoava no meu silêncio,
teu sorriso era promessa
na curva do meu sonho.

Te esperei apaixonada:
com o coração aos pulos,
com a alma acesa,
com os olhos cheios de respostas
antes das perguntas.
Te esperei sabendo que,
no instante em que te encontrasse,
meu mundo todo faria sentido 
como uma história que finalmente
reencontra a página certa.

E quando te vi,
me reconheci no teu olhar
como quem volta para casa
depois de séculos de ausência.

Mas também,
te esperei com o corpo,  maduro, febril, inteiro.
Te esperei com a pele acesa
e a respiração curta,
com a certeza de que tu saberias
ler meus desejos
antes mesmo de eu sussurrá-los.

Te esperei nua de medos,
desvestida de cautelas,
pronta para ser tua
na língua quente dos beijos,
na geografia secreta das mãos,
no altar profundo do toque
que só dois corpos que se pertencem conhecem.

Te esperei sabendo que teu abraço
seria abrigo, sentença e libertação.
Que tua boca chamaria a minha
para um destino inevitável.
Que teu desejo completaria o meu
como fogo encontra ar.

Mas entre todos os modos de te esperar,
o mais profundo, o mais doce,
o mais meu 
foi te esperar com ternura.

Te esperei suave, calma,
com sonhos simples e grandes:
uma xícara de café dividida,
um sorriso entregue pela manhã,
dois passos que caminham juntos
em qualquer direção.

Te esperei no gesto cotidiano,
na calma,
na doçura,
no toque que não arde 
acolhe.

Te esperei com amor limpo,
amor que não exige,
amor que floresce,
amor que reconhece.

Te esperei em todas as formas possíveis.
Apaixonada,
para te amar com a alma.
Erótica,
para te amar com o corpo.
Romântica,
para te amar com a vida.

E quando finalmente chegaste,
não houve dúvida,
nem medo,
nem retorno.

Só a certeza antiga e profunda:
eu te esperei porque tu eras o meu destino.

E agora que te tenho,
a espera virou casa,
abraço,
pele,
paz,
fogo,
poesia.

Agora que te tenho,
não esperei em vão.

Agora que te tenho,
sou inteira 
em ti.


Autora: Isabel van Gurp

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O Sol Que Brilha Na Minha terra



 O Sol Que Brilha Na Minha terra



O sol que brilha na minha terra
nasce atrás do horizonte,
nas águas claras desperta,
desenhando morros, pontes e fontes 

Colorindo as favelas com suas cores 
vermelhas, amarelas, alaranjadas 
vem aos poucos, alastra o céu,
subindo ao altar como um deus,
dourando o oceano,
avermelhando o azul do mar.

Nasce do ventre das ondas,
como um deus que ressurge em chama,
faz do além um altar
onde o mundo inteiro se inflama.

Pinta as águas de cobre e laranja,
derrama fogo nas serras,
e cada raio que avança
é reza viva sobre a terra.

O sol da minha terra  nasce e  desperta.
Abre os olhos do dia com dedos de ouro,
espalha sobre os morros sua manta aberta,
escorre pelas vielas, cancelas
e doura os telhados tortos.

Aos poucos conquista os morros
com suas cores alaranjadas,
espiritualiza o verde dos matos,
alegra os pássaros 
que cantam, assobiam,
dão vida à atmosfera,
aquecem a terra.

Invade com seus raios
as frestas das janelas, cúbicos das quebradas 

alastrando-se pelas ruas da minha cidade.

Desce leve, passa rente,
bate forte no peito da gente.

No brilho da lata, no trem, no sinal,
há poesia em cada quintal.
Quem ainda dorme,
com seus pecados, fome e segredos,
foge da luz 
mas o sol rasga a neblina
e renasce, altivo e inteiro.

O sol que brilha na minha terra
acorda o moleque do lado da laje,
a mãe solo no barraco,
espalha clarão nas calçadas da feira.

Ele não nasce quadrado,
não teme a sombra,
ri das nuvens que o desafiam,
atravessa a tempestade,
cria arco-íris de alegria.

O sol do meu Rio é marrento, esperto,
bate de frente, não foge ao perigo,
ignora a fumaça, rasga as cinzas,
faz a razão um samba bonito.

Não conhece o tédio,
nem se prende ao relógio:
nasce sempre um sorriso
vence o medo e encontra um jeitinho  

O sol da minha terra tem alma,
fala a língua da esperança,
anda descalço nas ruas,
brinca de luz com as crianças.

Invade os becos, brinca de rei,
faz da miséria um bloco, um desfile, uma lei.
Nos barracos renasce em cada sorriso 
porque o sol do meu Rio é puro improviso.

E quando o dia se despede,
com o peito vermelho no mar,
ele se curva sobre o morro,
escuta os aplausos,
e aos poucos se derrete
atrás do infinito 

para, em silêncio,

Ao ver a lua passar 


Autora: Isabel van Gurp

Se um Dia Eu Voltar







 Se um Dia Eu Voltar


Se um dia eu voltar,
não voltarei pelo azul do mar,
nem pelo sol escaldante
que, no auge do verão,
queima minha terra sem piedade
e deixa a areia da praia em ebulição,
o asfalto da cidade fervendo
como se fosse brasa,
tostando os pés nus
sem compaixão.

Se um dia eu voltar,
não voltarei pela beleza sem igual,
aquela que faz meu Rio
ser pátria tão idolatrada,
cantada em versos e prosas,
clamada em samba e carnaval.

Se um dia eu voltar,
voltarei por uma avenida
colorida, viva,
repleta de sonhos, alegrias,
palhaços e arlequins 
histórias contadas em ritmo,
que sempre terminam
numa quarta-feira
que chamam de cinzas.

Voltarei pelo cheiro da chuva
que cobre os morros,
que desce nervosa pelas ladeiras,
arrastando tudo com sua força,
deixando pra trás... nada.
Nada 
para aquela gente que perde tudo
nas chuvas de verão,
menos a alegria de viver
e recomeçar.

Se um dia eu voltar,
voltarei por uma escola animada,
nascida do morro,
onde o povo, sem nada,
fabrica sonhos de ouro e beleza.

Voltarei para tremer nesse ritmo quente
que queima os pés na areia da praia,
sem dó,
que faz qualquer um sambar.

Voltarei para entender
por que essa gente 
mesmo perdendo tudo no temporal,
mesmo vendo a esperança levada pelas águas 
ainda vai para a avenida,
dança, canta e sorri.

São felizes,
talvez não por muito tempo,
mas são.

Se um dia eu voltar,
voltarei por aquela multidão
que segue, cegamente,
num ritmo frenético,
com roupas coloridas,
pagas com sacrifício,
com suor e coragem.

Mesmo sem nada,
cantam a felicidade,
por algumas horas,
em alguns minutos,
ou no relâmpago de um segundo
que toca minha saudade,
enche meus olhos,
e me faz lembrar 

que eu sou parte dessa gente,
que muitas vezes, sem nada,
segue em frente.


Autora: Isabel van Gurp 



Tempo, Meu Senhor



Tempo, Meu Senhor 



Tempo,
Senhor,
Bença.

Eu reconheço o seu poder,
sua força,
Senhor do tempo.

Tempo, tempo, tempo...
Tudo tem seu tempo,
sua hora,
seu momento.

Com a medida do tempo,
com a massa e o comprimento 
tempo.

Tempo é a medida da ciência,
grande e essencial,
é o sistema métrico da vida,
universal.

Tempo, tempo, tempo...
Com a medida do tempo
aprende-se os melhores ingredientes
para dar sabor à existência.
O conhecimento se tempera com o tempo,
e a receita se chama experiência.

Tempo, tempo, tempo...
Tempo é mestre,
ele dá lição,
ele ensina.
Tempo é sábio.

Senhor,
Bença,
meu mestre.
Eu sei do seu valor,
da sua medida.
Curvo-me à sua sabedoria,
à sua erudição.

Tempo, tempo, tempo...
Ele é mágico,
ele conserta 
às vezes os erros,
às vezes os pecados,
às vezes as palavras,
às vezes as medidas.

Tempo acerta,
tempo esclarece.
Tempo é dono da verdade.
Ele é piedoso.
Ele perdoa.
Restaura.
Arruma.
Prepara.
Ele cura.
Às vezes, mata.

Tempo, tempo, tempo...
O tempo tem o dom do envelhecimento 
que é nobre.
Com ele, amadurecemos.
Com o tempo, se sabe a verdade.
Tempo tem o poder de retirar as máscaras,
de revelar as mentiras e as trapaças
nos bailes da vida.

Tempo é necessário
para viver sem mágoas,
sem feridas.
Tempo é o creme que cura
as cicatrizes da alma.

Tempo faz esquecer.
Mas também tem memória.
Tempo reconhece
a importância do conhecimento,
que só se aprende
com a vida  e com o tempo.

Só com o tempo
se pode reconhecer o verdadeiro amor.

Tempo, tempo, tempo...
Tempo é uma criança
que brinca com a vida.
Tempo é meu senhor.

Tempo, tempo, tempo...
Bença.
Minha vida está nas suas mãos.

Tempo é meu senhor.
Bença.


quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Celebração do Tempo




Me orgulho dos teus cabelos grisalhos,

que vejo nascer,
entre meus dedos,
a cada ano.

Sinto, no teu olhar,
a resposta do tempo 
chama-se amadurecimento.
É o enriquecimento de um dicionário
que passa, página a página,
pelas histórias das nossas vidas.

Vejo, no teu semblante,
a resposta serena
das realizações,
das vitórias e das glórias.

E, como tudo não é perfeito,
existe também o ícone da superação,
as tristezas que nos moldaram,
as batalhas que vencemos juntos.

Hoje, vivemos um momento
de celebração.
Celebramos o amor que resistiu,
as rugas que contam capítulos,
os fios prateados que brilham como medalhas.

Celebramos o que fomos,
o que somos,
e o que ainda seremos 
porque o tempo, meu amor,
não envelhece o sentimento.
Apenas o lapida,
o torna mais puro,
mais verdadeiro,
mais nosso.


Autora: Isabel van Gurp

Entre o Sonho e o Acordar


Quando estou aqui, com teus olhos,
olhando o infinito,
assistindo o mar,
trago o sol para mim.

Entre perfeitas linhas e cores,
busco na realidade
o ato do sonho 
de quem acorda e fecha os olhos
para dormir de novo.

Quero voltar ao sonho estando desperta,
com as imagens e desejos
que flutuam pela vida e pela mente.
Quero dormir outra vez,
voltar às últimas imagens do sonho,
preciso me lembrar onde parei
para continuar o sonho...

Mas o sonho já não é o mesmo.
A maré o levou com suas ondas,
espalhou lembranças
pelas areias do tempo.

Procuro teus olhos,
e neles encontro o reflexo
daquilo que vivi sem perceber 
um instante de eternidade
em que o amor era simples
e o silêncio, puro.

Adormeço outra vez,
não no sono,
mas no teu olhar,
onde o sonho se refaz,
e o tempo se curva
para que eu possa permanecer 
entre o que foi,
o que é,
e o que ainda quero sonhar.


Autora: Isabel van Gurp 



terça-feira, 26 de agosto de 2025

Constelação do desejo




 Constelação do desejo

Que as tuas palavras se escondam
entre meus lábios,
como estrelas tímidas
guardadas no véu da noite.

Que exploda meu desejo
no calor do teu corpo,
como um sol que desperta
e devora horizontes.

Que meus delírios dancem
com as tuas fantasias,
em órbitas secretas
onde giram planetas invisíveis.

Que meu orgasmo floresça
junto ao teu êxtase,
como lua cheia que rompe o silêncio,
inundando de luz o mar do meu ser.

Que meu gozo me leve
ao paraíso sideral,
onde o tempo não existe,
e somos apenas estrelas em combustão.

Entre teus braços sou universo,
sou cometa em chama,
sou mulher que renasce em galáxias,
sou feliz em ti.


Autora: Isabel van Gurp

domingo, 24 de agosto de 2025

Livres (O braço, a alma e o povo brasileiro)

 



O braço, a alma e o povo brasileiro

Estão nas ruas,
Contra o golpe.

O sangue que jorra no chão
É vermelho 
A mesma cor da bandeira
Que ostenta a estrela:
tão bela,
tão reluzente,
que brilha na noite,
nas cores que queimam
a memória dos companheiros
que morreram nos porões da ditadura.

Não foram esquecidos.
Jamais.
Eles estão entre nós.

O caminho busca a verdade,
o tempo não nega:
a certeza de que democracia e liberdade
estão entre nós.
E serão sempre
o recomeço
de um país livre,
igual, digno e soberano.

A estrela que brilha esta noite
não é de um homem,
nem tão pouco de uma mulher,
mas de um povo
que luta para ser livre.

Essa certeza é o direito:
a democracia
sempre vencerá.

Os arrogantes,
o ódio,
os que clamam pelo fim,
morrerão gritando.

Mas o fim será a nossa vitória:
ser homens,
ser mulheres,
ser livres.

A estrela somos nós 
tão livres em pensamento,
decidindo a nossa história.

Não vai ter golpe!





Autora: Isabel van Gurp

sábado, 23 de agosto de 2025

Em Carne Viva





Em Carne Viva 

Sinto meu corpo flutuar em tuas mãos.
Tuas carícias derretem minha pele,
me deslizo em teus dedos,
perco-me em cada toque.

Minha pele, ao enroscar na tua,
acende brasas.
Sou chama.
Sou carne viva.

Ardo de paixão.
Teus beijos 
partículas em erupção,
desejos que escapam da boca
como vulcões incendiando o ar.

Sinto-me inteira
consumida em tua força.
Teu beijo abrasador
deixa em mim vestígios de fogo,
queimam-me os sentidos,
deixam-me febril.

Mais uma vez,
não sou dona de mim.
Sou cativa do teu olhar mágico,
hipnotizada pelos teus feitiços.
Rendo-me ao teu poder,
à alquimia do teu toque,
à embriaguez da tua boca.

E quando me abandonas,
sou cinza, sou vazio, sou vento.
Mas basta tua volta 
um gesto, um sopro,
um simples toque da tua mão,

E de novo floresço em chamas,
sou chama que se entrega,
sou fêmea que arde.

Em carne viva,
sou tua.


Autora: Isabel van Gurp 





Na Sapolândia entre Patos e prosas


 




Então era uma vez.......
Na SapoLandia 

Então era uma vez.......

Então, era uma vez…

Durante e depois da minha gravidez, perdi a coragem de usar saltinhos.
Primeiro, porque o barrigão não combinava com salto alto.
Sentia-me insegura,  talvez fosse só coisa minha, mas parecia impossível equilibrar barriga e salto.

Depois veio a fase das crianças no colo.
E salto alto? Não, obrigada.
Eu só conseguia imaginar a cena: perder o equilíbrio, cair, me machucar… ou pior, machucar meus filhos.
Não arriscava.

Logo depois, chegou a correria atrás dos meus anjinhos (e como correm!).
Nessa fase, salto alto não tinha lugar algum.
A vida corrida de mãe de dois, dona de casa atrapalhada com tarefas que nunca terminam…
Tudo isso afastava ainda mais qualquer prazer de pensar em sapatos de salto.

Veio também a fase das escolas, da bicicleta apressada,
do coração partido por deixar um bebê no berço para levar outro na aula.
E, claro, as noites mal dormidas de mãe com bebês doentes.
Quem teria forças para saltinhos?
Só de imaginar, já era um pesadelo.

Sim, houve vaidade sufocada pelo cansaço, pelo tempo, pelo peso da maternidade.
Mas,  confesso  tenho saudades dessa época.
Ela passou, como tudo passa.
Os filhos cresceram.

E então… comecei a reparar nos saltinhos das minhas amigas.
Olhar-me no espelho.
Perceber que não havia mais barrigão, nem crianças para correr atrás.
Só eu.
E um desejo novo  ou talvez antigo de voltar a ser feminina.

Não apenas mãe.
Mas mulher.

Não aquela mulher de seios cheios de leite, que acordava de madrugada para alimentar um bebê.
Não a mãe orgulhosa apenas pelas conquistas dos filhos.
Mas a mulher que também quer se maquiar, emagrecer, se redescobrir.
Essa, que ficou escondida alguns anos, guardada dentro de mim.

E foi então que comprei um saltinho.
Meu primeiro, depois de muito tempo.
Ainda estranho. Ainda um desafio.
Quase uma reaprendizagem: voltar a andar, voltar a me ver.
Confesso: precisei de coragem, até para comprá-lo.

Gastei um dinheirão… e escondi.
Vergonha, talvez, de ter investido em mim, em vez de em um Nintendo novo para os filhotes (sim, eles já têm DS, Lite, DSi…).
Mas comprei.

Ainda treino em frente ao espelho, com a porta fechada.
Já até pensei em usá-lo numa festa,  mas ele ficou na bolsa.
E, mesmo assim, eu me senti feliz.
Feliz por ter um saltinho de volta.
Feliz por reencontrar a mulher que existe em mim.


Autora: Isabel van Gurp