Minha Avó, Rainha
Não era apenas uma mulher,
era uma lenda.
Tocava a vida com as mãos calejadas,
punhos fortes,
e no entanto, nelas cabia um afeto imenso.
Entre as linhas das palmas,
havia orações silenciosas,
histórias de um povo inteiro,
escritas com calos,
um anel de ouro,
e a alegria simples da alma.
Era negra, índia, mestiça,
sem artifício algum
vivendo a glória de ser
simplesmente mulher.
Não era apenas mãe,
era ventre sagrado
que paria Marias e Joões,
que levava nos braços
filhos distantes da senzala,
filhos afastados da tribo,
filhos moldados pelo mundo dos brancos.
Era escrava da casa,
mas senhora em dignidade.
Braçal, conduzia a vida na rédea,
senhora antes do tempo,
menina ainda,
guerreira sempre.
Nas veias corria o sangue
de muitas etnias,
a coragem de fêmeas ancestrais,
a sabedoria natural de uma heroína.
Cabocla de tranças longas,
como uma Rapunzel de mata,
bela, intensamente bela,
com rosto de curumim
e marcas de açoite,
que a vida não conseguiu apagar.
Conheceu o ódio e o amor,
a dor e a ternura,
e transformava tempos difíceis
em sementes de novos tempos.
Quem era essa mulher?
A que cuidava dos netos
como antes cuidou dos filhos.
A que caminhava com pernas arquejadas,
mas sempre com passos firmes,
cada gesto, um escudo,
cada olhar, um conselho,
cada ato, uma lição.
Não era apenas mulher.
Nem apenas mãe.
Era minha avó.
Minha rainha no céu,
minha soberana na memória,
que no trono das lembranças
reina para sempre.
Autora: Isabel van Gurp