quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Mas o tempo passou...




Esculpida em anel,
Caligrafados os nossos nomes em ouro,
Confessamos, no altar e em voz alta:

“Prometo estar contigo na alegria e na tristeza,
Na saúde e na doença,
Na riqueza e na pobreza,
Amando-te, respeitando-te
E sendo-te fiel todos os dias da minha vida,
Até que a morte nos separe.”

Pintados com pincel,
Sussurramos nosso pacto:
— Eu te amo.


Mas o tempo passou...

Meu corpo conheceu as marcas
Escritas com tuas mãos.
Queimavam com o calor,
Afagavam com os dedos,
Desenhavam caminhos
Sem limite de escaladas.

No cansaço,
Chegávamos ao auge
E nos rendíamos ao deleite.



Mas o tempo passou...

Tuas palavras, medidas exatas,
Eram a régua da minha alegria.
Fazias meu corpo tremer em gozo,
Entre sorrisos e céu.

Na plenitude do amor,
Acreditei:
— Era para sempre.


Mas o tempo passou...

Há atos que não viram cinza.
Não se queimam memórias
Que tocaram meu corpo
E percorreram minhas entranhas.

Estão gravadas
Com tuas mãos
Em cavidades que ainda pulsam.

Sou bombardeada por lembranças.
Somos testemunhas
Da nossa cumplicidade:
Eu e você.
Você e eu.

Lembra?


Mas o tempo passou...

Perdemos a conta dos contratempos.
A vida tocou como ponteiros quebrados,
Marcando horas de desilusão,
Tristeza, brigas, tropeços.

Um conto que virou quase nada.
E o que resta?
Pouco.
De tudo que um dia foi tão colosso.


Mas o tempo passou...

Os anos somaram palavras
E discussões.
Diminuíram os gestos.
Olhos marejados,
Corações em desacato.

Engolimos mágoas
Que o tempo (esse tempo!)
Fez crescer em silêncio.


Mas o tempo passou...

E nos perdemos em alguma margem,
Numa canoa sem remos
Descendo o rio
Das esquinas da vida.

Ao lado de alguma curva.
Eu não sei.


Mas o tempo passou...

E mesmo os dias sombrios
Não conseguem apagar
As boas lembranças
São tantas.

Algumas têm nome e idade:
Nossas crianças.

Outras vivem em sentimento:
Não são os bens,
Mas o amor que construímos.

Um templo.
Feito pedra por pedra,
Gota por gota,
Ato por ato.
Detalhes costurados com respeito e amor.

Mas o tempo passou...

Em sopros...

E o vento não soprou de volta
O olhar, o infinito, as promessas.

Mas que fique em nós
Nosso templo erguido:
Por mim, por vós, por nós.

Afinal, nossos filhos
São nossos retratos.
Nossa história.
Nossa família.

Das mãos entrelaçadas,
Juras que eram para sempre.
Nascidas de nossos ventres,
E sempre serão nossos.


Mas o tempo passou...

E eu não percebi que você se foi.
Foi isso?

Ou foi o tempo
Que nos levou embora, devagar?

Talvez nunca tenha sido para sempre.
E tudo bem.

Você me disse:
“Eu deixei de te amar...”
Com o tempo.



Autora: Isabel van Gurp









  


























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