sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O Sol Que Brilha Na Minha terra



 O Sol Que Brilha Na Minha terra



O sol que brilha na minha terra
nasce atrás do horizonte,
nas águas claras desperta,
desenhando morros, pontes e fontes 

Colorindo as favelas com suas cores 
vermelhas, amarelas, alaranjadas 
vem aos poucos, alastra o céu,
subindo ao altar como um deus,
dourando o oceano,
avermelhando o azul do mar.

Nasce do ventre das ondas,
como um deus que ressurge em chama,
faz do além um altar
onde o mundo inteiro se inflama.

Pinta as águas de cobre e laranja,
derrama fogo nas serras,
e cada raio que avança
é reza viva sobre a terra.

O sol da minha terra  nasce e  desperta.
Abre os olhos do dia com dedos de ouro,
espalha sobre os morros sua manta aberta,
escorre pelas vielas, cancelas
e doura os telhados tortos.

Aos poucos conquista os morros
com suas cores alaranjadas,
espiritualiza o verde dos matos,
alegra os pássaros 
que cantam, assobiam,
dão vida à atmosfera,
aquecem a terra.

Invade com seus raios
as frestas das janelas, cúbicos das quebradas 

alastrando-se pelas ruas da minha cidade.

Desce leve, passa rente,
bate forte no peito da gente.

No brilho da lata, no trem, no sinal,
há poesia em cada quintal.
Quem ainda dorme,
com seus pecados, fome e segredos,
foge da luz 
mas o sol rasga a neblina
e renasce, altivo e inteiro.

O sol que brilha na minha terra
acorda o moleque do lado da laje,
a mãe solo no barraco,
espalha clarão nas calçadas da feira.

Ele não nasce quadrado,
não teme a sombra,
ri das nuvens que o desafiam,
atravessa a tempestade,
cria arco-íris de alegria.

O sol do meu Rio é marrento, esperto,
bate de frente, não foge ao perigo,
ignora a fumaça, rasga as cinzas,
faz a razão um samba bonito.

Não conhece o tédio,
nem se prende ao relógio:
nasce sempre um sorriso
vence o medo e encontra um jeitinho  

O sol da minha terra tem alma,
fala a língua da esperança,
anda descalço nas ruas,
brinca de luz com as crianças.

Invade os becos, brinca de rei,
faz da miséria um bloco, um desfile, uma lei.
Nos barracos renasce em cada sorriso 
porque o sol do meu Rio é puro improviso.

E quando o dia se despede,
com o peito vermelho no mar,
ele se curva sobre o morro,
escuta os aplausos,
e aos poucos se derrete
atrás do infinito 

para, em silêncio,

Ao ver a lua passar 


Autora: Isabel van Gurp

Se um Dia Eu Voltar







 Se um Dia Eu Voltar


Se um dia eu voltar,
não voltarei pelo azul do mar,
nem pelo sol escaldante
que, no auge do verão,
queima minha terra sem piedade
e deixa a areia da praia em ebulição,
o asfalto da cidade fervendo
como se fosse brasa,
tostando os pés nus
sem compaixão.

Se um dia eu voltar,
não voltarei pela beleza sem igual,
aquela que faz meu Rio
ser pátria tão idolatrada,
cantada em versos e prosas,
clamada em samba e carnaval.

Se um dia eu voltar,
voltarei por uma avenida
colorida, viva,
repleta de sonhos, alegrias,
palhaços e arlequins 
histórias contadas em ritmo,
que sempre terminam
numa quarta-feira
que chamam de cinzas.

Voltarei pelo cheiro da chuva
que cobre os morros,
que desce nervosa pelas ladeiras,
arrastando tudo com sua força,
deixando pra trás... nada.
Nada 
para aquela gente que perde tudo
nas chuvas de verão,
menos a alegria de viver
e recomeçar.

Se um dia eu voltar,
voltarei por uma escola animada,
nascida do morro,
onde o povo, sem nada,
fabrica sonhos de ouro e beleza.

Voltarei para tremer nesse ritmo quente
que queima os pés na areia da praia,
sem dó,
que faz qualquer um sambar.

Voltarei para entender
por que essa gente 
mesmo perdendo tudo no temporal,
mesmo vendo a esperança levada pelas águas 
ainda vai para a avenida,
dança, canta e sorri.

São felizes,
talvez não por muito tempo,
mas são.

Se um dia eu voltar,
voltarei por aquela multidão
que segue, cegamente,
num ritmo frenético,
com roupas coloridas,
pagas com sacrifício,
com suor e coragem.

Mesmo sem nada,
cantam a felicidade,
por algumas horas,
em alguns minutos,
ou no relâmpago de um segundo
que toca minha saudade,
enche meus olhos,
e me faz lembrar 

que eu sou parte dessa gente,
que muitas vezes, sem nada,
segue em frente.


Autora: Isabel van Gurp 



Tempo, Meu Senhor



Tempo, Meu Senhor 



Tempo,
Senhor,
Bença.

Eu reconheço o seu poder,
sua força,
Senhor do tempo.

Tempo, tempo, tempo...
Tudo tem seu tempo,
sua hora,
seu momento.

Com a medida do tempo,
com a massa e o comprimento 
tempo.

Tempo é a medida da ciência,
grande e essencial,
é o sistema métrico da vida,
universal.

Tempo, tempo, tempo...
Com a medida do tempo
aprende-se os melhores ingredientes
para dar sabor à existência.
O conhecimento se tempera com o tempo,
e a receita se chama experiência.

Tempo, tempo, tempo...
Tempo é mestre,
ele dá lição,
ele ensina.
Tempo é sábio.

Senhor,
Bença,
meu mestre.
Eu sei do seu valor,
da sua medida.
Curvo-me à sua sabedoria,
à sua erudição.

Tempo, tempo, tempo...
Ele é mágico,
ele conserta 
às vezes os erros,
às vezes os pecados,
às vezes as palavras,
às vezes as medidas.

Tempo acerta,
tempo esclarece.
Tempo é dono da verdade.
Ele é piedoso.
Ele perdoa.
Restaura.
Arruma.
Prepara.
Ele cura.
Às vezes, mata.

Tempo, tempo, tempo...
O tempo tem o dom do envelhecimento 
que é nobre.
Com ele, amadurecemos.
Com o tempo, se sabe a verdade.
Tempo tem o poder de retirar as máscaras,
de revelar as mentiras e as trapaças
nos bailes da vida.

Tempo é necessário
para viver sem mágoas,
sem feridas.
Tempo é o creme que cura
as cicatrizes da alma.

Tempo faz esquecer.
Mas também tem memória.
Tempo reconhece
a importância do conhecimento,
que só se aprende
com a vida  e com o tempo.

Só com o tempo
se pode reconhecer o verdadeiro amor.

Tempo, tempo, tempo...
Tempo é uma criança
que brinca com a vida.
Tempo é meu senhor.

Tempo, tempo, tempo...
Bença.
Minha vida está nas suas mãos.

Tempo é meu senhor.
Bença.


quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Celebração do Tempo




Me orgulho dos teus cabelos grisalhos,

que vejo nascer,
entre meus dedos,
a cada ano.

Sinto, no teu olhar,
a resposta do tempo 
chama-se amadurecimento.
É o enriquecimento de um dicionário
que passa, página a página,
pelas histórias das nossas vidas.

Vejo, no teu semblante,
a resposta serena
das realizações,
das vitórias e das glórias.

E, como tudo não é perfeito,
existe também o ícone da superação,
as tristezas que nos moldaram,
as batalhas que vencemos juntos.

Hoje, vivemos um momento
de celebração.
Celebramos o amor que resistiu,
as rugas que contam capítulos,
os fios prateados que brilham como medalhas.

Celebramos o que fomos,
o que somos,
e o que ainda seremos 
porque o tempo, meu amor,
não envelhece o sentimento.
Apenas o lapida,
o torna mais puro,
mais verdadeiro,
mais nosso.


Autora: Isabel van Gurp

Entre o Sonho e o Acordar


Quando estou aqui, com teus olhos,
olhando o infinito,
assistindo o mar,
trago o sol para mim.

Entre perfeitas linhas e cores,
busco na realidade
o ato do sonho 
de quem acorda e fecha os olhos
para dormir de novo.

Quero voltar ao sonho estando desperta,
com as imagens e desejos
que flutuam pela vida e pela mente.
Quero dormir outra vez,
voltar às últimas imagens do sonho,
preciso me lembrar onde parei
para continuar o sonho...

Mas o sonho já não é o mesmo.
A maré o levou com suas ondas,
espalhou lembranças
pelas areias do tempo.

Procuro teus olhos,
e neles encontro o reflexo
daquilo que vivi sem perceber 
um instante de eternidade
em que o amor era simples
e o silêncio, puro.

Adormeço outra vez,
não no sono,
mas no teu olhar,
onde o sonho se refaz,
e o tempo se curva
para que eu possa permanecer 
entre o que foi,
o que é,
e o que ainda quero sonhar.


Autora: Isabel van Gurp