quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Rio Doce

Se Encontra

É água que se espalha
Entre os meus lábios,
Na flor da minha pele,
Nas dobras da calha.

Escorre nas minhas mãos,
E molha o meu corpo.
De leve desafoga
As escunas dos porões.

A correnteza do rio
É de contra-ação,
A favor do sentido,
As lavas do vulcão.

Com suor que transpira
Em alto-mar, a fio,
Na ponte elevada
Que jorra a água de um rio.

Sem depender da maré,
Em luas, desafoga
O rio que desce,
Cresce e escurece.

Queima a pele ao vento,
Tormento em lama,
Mata a virgem,
Morre a grama.

Que não se bebe,
Se escama,
Exclama
Morre na cama.

O oceano abre a boca
Para beber água doce sem afago,
Que desce marrom
E engole os soluços do amargo.

Água que desce veloz,
Era o Rio Doce.
Agora vai ao golfo,
Com rastros nas veias, atroz.

Não evapora em chama,
A atmosfera não quer.
Tão pesado esse líquido,
Corrompido de lodo que é.

Se encontra
Nos pecados dos homens.
A ganância enlouquece,
E destrói, por si só, a vida.

Mata a água que leva o ciclo
O ciclo que sustenta a existência,
E a morte.

Mata a água que leva o ciclo
O ciclo que sustenta a existência,
E a morte.


Mas ainda há um sussurro,
De nascente escondida,
Que brota em fenda esquecida
Com o sopro da vida.

E se o homem calasse o lucro,
Se ouvisse a corrente ferida,
Talvez houvesse futuro
Na água que ainda respira.

Porque onde se mata a terra,
Também se planta o arrependimento.
Que venha o tempo
De limpar os rios,
De lavar o sofrimento.




Autora: Isabel van Gurp



















quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Nos Meus Contos

Em contos
Se tua alma soubesse,
jamais me entregaria tua vida.
Nem teu destino.
Nem teu coração.

Não te confesso:
mal te mereço.
E menos ainda, sou inteira.
Me escondo atrás de mil mentiras,
me visto de ilusão
pra ser alguém
que nem eu reconheço.


Em contos
crio rostos que não são meus,
sorrio com máscaras que colorem
minhas verdades escondidas.
Só o meu amor é real
esse, te entrego em fervor
e em segredo.

Construí devaneios,
castelos de névoa,
caminhos de fumaça
só para te ter.


Em contos
sou feliz entre espelhos partidos,
até que a verdade venha à tona.
E se souberes me perdoar,
talvez essa mentira
se torne casa,
sem ressalvas,
sem remorsos.

Apagaria meu passado efêmero,
me reescreveria em ti.
Mas as ciladas me acham
dizem que a mentira tem pernas curtas.
As minhas correm, se multiplicam.


Em contos
fantasio ilusões com medo,
mas te faço feliz.
E isso me basta.
Até quando,
não sei...

Sou o ser que tu imaginas
não sou eu,
mas quem eu queria ser.


Em contos
me construí em emboscadas doces,
me perdi no sonho de amor
que achei merecer.
Fui tão longe…
por ti,
me desfigurei em personagem.

Mas castelos caem.
Sopros vêm.
E tudo voa.


Em contos
os pesadelos me cercam,
te vejo partir.
Meus medos me acordam
a cada noite nos teus braços.

Temo teu perdão,
pois fui longe demais.
Te enganei sendo quem eu não sou.


Em contos
te fiz viver com alguém inventado.
Mas entre todas as mentiras,
uma verdade nasceu 

Meu amor.


E se um dia,
quando souberes quem fui de verdade,
ainda assim me ouvires,
lembra-te:

Essa foi a única verdade
que eu te contei
nos meus contos





Autora: Isabel van Gurp






















terça-feira, 13 de outubro de 2015

Outono



























Se vão em grãos,
levados pelo sopro dos ventos,
como pensamentos soltos
que a alma esqueceu de guardar.

Semeiam em teia invisível,
sementes que viajam,
tocam o ar,
descem nos silêncios
da terra fértil.

Caem em levadas,
descansam no útero da Terra-Mãe,
que os acolhe no ventre úmido,
nutrindo o embrião
com o leite das raízes
e o calor do seu coração.

O poder do ciclo,
endosperma sagrado,
escorre pelas mãos dos deuses,
que giram o mundo
como quem molda um vaso
sobre a roda do tempo,
cambaleando entre auroras e crepúsculos.

Na arte de recriar a vida,
se vão em grãos,
jorrados como pérolas ao vento,
nus em tegumento,
carregando em silêncio
o segredo do renascer.

Transformam-se em cores
antes de se entregarem ao fim.
Bruxos e cogumelos
erguem-se do chão,
fungos que dançam
nas madrugadas úmidas,
lembrando que até na sombra
há criação.

Brotam por si,
sem mestre ou dono,
arte pura em apelo,
coexistência e pulsar,
pintando na tela da natureza
o retrato do eterno.

E assim segue a viagem da vida,
recomeço de um fim,
ciclo que se refaz
mesmo sem elos,
pois no silêncio da terra,
cada grão que se vai
é também um grão
que volta.


Autora: Isabel van Gurp 


quarta-feira, 15 de julho de 2015

Cegas

Castelo de Dussen  (Brabante do Norte, Holanda) 



Meus pensamentos
Tocam teu corpo
Cada vão
Aonde minha visão
Pode passar
Atravessando na distância
O querer, estar e ter
De ser tua
Com a força do meu ser
Completamente nua
Viajo a velocidade da luz
Me entrego
Com olhos fechados
Sem disfarces
Sinto o calor dos teus braços
Que queimam meu desejos
Nas tuas volúpias
Em beijos
Sinto o grito do prazer
Arrepios na pele
Com teu toque
Minhas mãos seguram as palavras
Que eu assopro aos ventos
Me entrego devaneios
Com sentidos a cega
Ebulo meus sentidos
Que giram em torno de mim
Queimam meu corpo
Em brasa
Me levam aos céus
Para o além
Deleito
São noites que eu durmo
Com as estrelas
Eu e alguém





Castelo Dussen em Norte Brabant


Isabel van Gurp

Colaboradores