quarta-feira, 31 de julho de 2019

Recomeço




(Fotos do museu Archeon na Holanda) 



Eu não posso ter as lágrimas
No meu corpo,
Sentindo as gotas
Pingando na alma.

                            Eu não posso...  

     E nem quero...  


Eu não vou partir mais
Sem questionamentos,
Sem adeus,
Deixando a metade de mim
Nos cais.

                            Eu não posso...  

     E nem quero...  


Não há abandono,
Fuga ou despedida,
Sem ao menos dizer adeus,
E, ao mesmo tempo,
Sem acenos.

                            Eu não posso...  

     E nem quero...  


Embarcar
Nos rumos vãos,
Em contrapartida,
Deixando-me levar inconsciente
Em qualquer leme.

                            Eu não posso...  

     E nem quero...  


Fugir, fugir, não.

Ter esta saída
Dentro de mim,
Que me atormenta
E não me isenta.

                            Eu não posso...  

     E nem quero...  


Dos meus pecados,
Dos meus amores,
Não livra minha dor,
Nem o meu passado,
Que balbúrdia as cores
Do meu espírito já cansado.

                            Eu não posso...  

     E nem quero...  

           Fingir.  


Eu preciso saber
Quem eu sou,
Dentro deste contexto esquisito,
Na imagem refletida
No espelho esfumaçado, sem reflexo.

Uma nuvem negra,
Partículas de pó,
Condensam a chuva,
Para derramar o temporal na terra —
Sem dó,
Sem guerra.

                            Eu não posso...  

     E nem quero...  


Se eu partir,
Devo perguntar:
Aonde vou?
Sem olhar para trás,
Sem remorsos.

                            Eu não posso...  

     E nem quero...  


Esperar um embarque,
De cara limpa,
Ir de carona.

Não sei ainda o destino,
Mas não estou fugindo.

                            Já é um recomeço.  


Talvez às cegas,
Sem saber o endereço.
Uma coisa é certa:
Sem fuga de mim mesma.

O que importa é a chegada.

                            Eu posso...  

                 E quero...  


A certeza de me reencontrar.
Preciso me levar inteira,
Sem roupas,
Inteiramente nua para o futuro.

Isso se chama vida,
E reencontro de ser.

Eu posso,
Eu quero viver!
E, antes de tudo,
Ser EU!



Autora: Isabel van Gurp








quinta-feira, 13 de junho de 2019

Milagre



No meu ser,
Eu sinto a perfeição
Do nosso amor.

Um sentimento nobre,
Puro e genuíno no coração.
Um milagre.

Defino como uma canção
Que corre entre as nossas veias,
Em cada gota de sangue,
Doando-se uma vida.

Entre outras palavras:
Nove meses.
Secular na eternidade,
Espetacular na amplitude
Da existência.

Da vida.

Sinto o coração pulsar,
Lateja em música,
Em todas as dores,
Flauteando em notas:
Dó — Ré — Mi — Fá — Sol — Lá — Si.

Com batidas bombardeando
Em toques,
Em chutes,
Em sonos,
Sol — Lá — Si.

Em enjoos,
Em desejos,
Hormônios...
Por ti.

Sofrimento no paraíso.

Não existem palavras
Para expressar essa orquestra harmônica.

Meu corpo deflorando
Em gotas que batem no tamborim,
Em todos os sentidos,
Dentro de mim.

Em golpes.

Em outras palavras:
É uma semente
Que penetrou,
Borbulhando em terra viva,
No meu jardim.

Salve, Oxalá.

Eu sinto o crescimento
Na minha carne.
O nascimento foi na alma,
E a felicidade, nas entranhas.

O despertar do meu filho
Me fez sentir imensamente plena,
Digna de um milagre.

Bença, Maria.

Com esse amor tão sublime,
Eu busquei uma palavra
Para definir esse sentimento...

Só encontrei uma.
Somente uma:

Mãe.




Autora: Isabel van Gurp 


sábado, 25 de maio de 2019

Entre mim e você




Entre mim e você,
Existe o nós.

Entre mim e você,
Há um começo.
Uma história
Que se escreveu sem promessas,
Mas com presença.

Entre mim e você,
Nasceram filhos,
Jorraram emoções,
Conquistamos o que parecia impossível.

Entre mim e você,
Houve derrotas,
Mas nelas, aprendemos.

E nas vitórias,
Crescemos.

Entre mim e você,
Eu sou.
Entre você e mim,
Você é.

E entre nós dois,
Existe amor.

Simples,
Forte,
Infinito.

Eu te amo.
Você me ama.
Nós nos amamos.

Entre mim e você,
Há um amor verdadeiro.
Daqueles que pertencem
À própria existência de ser —
Sempre.




Autora: Isabel van Gurp

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Um conto




Um conto

Vou cruzando meu caminho
Em pontos,
Traçando meu mapa.

Em cada esquina,
Faço um conto.

E penso nas fadas,
Para sublinhar os desencontros
E acentuar, em reflexo,
As brincadeiras do destino,
As causalidades dos reencontros.

Busco, no nó,
O fio perdido.
Cuidadosamente, emendo
Os traços dos pontos.

E ponto por ponto,
Faço um manto —

Uma colcha de retalhos,
Sublinhada com laços.

E a cada passo, encontro:
Um chão,
Um fio,
Um mapa.

Meu destino,
Feito pelas minhas mãos.

Cada passo que a gente dá costura um pedaço do que somos.
Às vezes, seguimos pontos invisíveis… 

outras vezes, pegamos de volta um fio perdido e recomeçamos.
A vida é bordada por nossas mãos 

Ponto por ponto, conto por conto.

Aqui está o meu

Depois eu conto.




Autora: Isabel van Gurp

Filha do sol

Quem é filha do sol
Não se queima na terra.
Se bronzeia na sombra,
Deixa a alma ferver
Aos cinquenta graus
E bebe água de coco
Para matar a sede.

Sente-se um peixe fora d’água
Quando chove,
Mas nunca deixa de nadar.

Caminha com os pés descalços
Sobre brasas e calçadas,
E acende a si mesma
Mesmo quando apagam as luzes.

É de fogo 
Mas não incendeia por vingança.
Aquece, ilumina,
E arde no próprio ritmo.

O que chamam de exagero,
Ela chama de vida.
O que chamam de drama,
Ela chama de intensidade.

Quem é filha do sol
Não foge do espelho,
Não espera resgate,
Não teme tempestade.

Ela não precisa de céu claro:
Ela é o amanhecer.


Autora: Isabel van Gurp

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Meu Presidente




Lavou a alma na bandeira,
Tremulou em passos lentos
O orgulho e a paixão de ser
Que o faziam filho da terra.

Escudou-se com aquele pano,
Se armou de couraça.

E mais uma vez,
Deixou cair no corpo desfalecido
A coragem de quem nunca nega
Quem tu és.

Cobriu-se em cores, com um manto.
E se foi… aos poucos,
A cada passo...
Sentindo-se partir —
E, ao mesmo tempo,
Ficar entre nós.

Beijou-a mais uma vez.
E chorou.

O espírito d’gente vagou
Pelas pequenas ruelas,
Passou em sombras,
Refletindo nos muros a solidão
De quem parte só.

Escoavam, no labirinto,
Palavras...
A fé, a crença e a pátria.

Olhou mais uma vez para o alto.
De longe —
E parecia tão longe.
Tão distante. Tão real.

Lá estava o reflexo da armadura
Surreal,
Que batia ao vento,
Hasteada no mastro.

Pensou:
— Fui guerreiro, e lutei por ti.

Nós pensamos:
— Por nós.

Seus pensamentos foram aplaudidos,
De pé, em glória.
Seus atos, reconhecidos por nós.
Idolatrados pela memória.

E o preço foi alto.
E o agradecimento,
Para sempre,
Estará na história.

Mas,
Fincando na dor da democracia
Que se perdia entre as paredes das grades,
Sentiu-se só na multidão.

Gotejava sangue.
Enodava o pendão.
E na estrela,
Estampa-se o seu rosto 

De um homem nobre, senhor.
Estendido no orgulho,
Seu brio de ser
Nos orgulha também.

Nobre cavalheiro,
Perdão, meu presidente.
O preço encarece.

Benfeitor dos seus atos,
Digo mais uma vez:

— Perdão! Perdão!
Presidente Lula,
O povo agradece
Sua luta.



Autora: Isabel van Gurp (com alma, coragem e gratidão em cada verso) 









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