A cor do meu sangue
Que jorrava pelos convés
Não era vermelha
Era negra.
Nos tiraram tudo:
O idioma,
A crença,
A família.
Fomos vendidos por vintém.
Tornamo-nos ninguém.
Atravessamos os oceanos,
Cruzamos portos em penúrias.
Corpos amontoados
Nos navios negreiros,
Abordados por lamentos e fúrias.
Deixaram marcas,
Marcas das torturas.
Povos vendidos por níquel,
Em porões imundos da humanidade.
Com uma cruz no peito
Vinham os opressores
Os senhores.
Eu sou a soma
Da prova da desistência,
Que enfraqueceu a resistência.
Porque só os covardes
Sobreviveram ao genocídio.
Quem lutou, resistiu
Então morreu.
Quem sobreviveu
Ficou à mercê da escravidão.
Das longas noites no cativeiro,
Sem água e sem pão.
Ficamos à mercê
Do ódio,
Da intolerância,
Da servidão.
Em silêncio,
Aprendemos a temer a espingarda,
A aceitar as surras,
A calar com os cinturões.
Morremos de fome,
Pendurados em troncos.
Quando sobrevivíamos,
Era ao relento
Com feridas que queimavam a alma
E ardiam em indignação.
A luz do sol,
Sobre a pele ferida,
Testemunhava os gritos calados
Que ecoavam nos sussurros,
Na cana,
No chão.
Tanta dor...
Tanta dor.
Mas sim,
Sobrevivemos.
Sobrevivemos!
E a luta continuou na existência
Não à sombra dos senhores,
Mas ao lado dos nossos.
Aprendemos a lutar,
A falar o novo idioma
Que nos impuseram.
A amar o novo país,
Mesmo sem esquecer o que perdemos.
Ainda lutamos pela liberdade,
Pela igualdade,
Pela fraternidade.
Ainda fugimos dos capitães do mato,
Que nos cercam todos os dias.
Ainda morremos
Todos os dias.
Todos os dias,
Morremos para sobreviver.
Eu sou a soma
Da prova da resistência.
A que ganhou vida em cada morte.
A que sobreviveu
Nos navios negreiros,
Nos cativeiros,
Nos troncos.
Sobrevivemos ao genocídio.
Sobreviveram ao genocídio.
Não.
Não somos covardes
Somos quem
Somos heróis da resistência
Sobreviventes
Do genocídio que impuseram
À África Mãe.
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